Sobre o processo
Voz, escuta e transformação
Poemas para o seu baile nasce de conversas teóricas sobre edição – De um livro-objeto que nunca saiu – De algumas práticas de poesia e performance – De algumas investigações da voz – De reverberações de uma pesquisa acadêmica sobre as traduções intermediais de um poema de João Cabral – De um gravador em casa.
O processo se inicia quando gravo seis poemas meus e passamos – eu e Gil – a reproduzi-los para músicos e editores próximos. Para alguns deles, é feito o pedido de que produzam sonoridades e visualidades a partir de experiências individuais e conjuntas de audição.
Os músicos Duda Bastos, Pedro Rondon e Vini Machado ouviram as gravações. À medida que eles ouviam, era possível acompanhar a potência de recepção dos poemas pelas imagens que surgiam em nossas conversas – a exemplo de "infância na guerra", "aquele poema dos aliados", para “Ferro e fuga”, primeira faixa do disco –, como também pelo que pedimos que nos falassem dos poemas em sons. As ambiências oníricas, sirenes distorcidas e recursos percussivos que entram como socos ou bombas em “Ferro e Fuga”. As sonoridades incessantes, carregadas e maquínicas que acompanham a repetição dos versos "era a fome das máquinas".
Um "grito" rasgado emitido de repente pelo sintetizador em “Pitangueiras”, logo após o verso "se debate em novas modalidades de escravidão", pois como disse o Pedro, "escravidão não pode passar batido". Algo que remete a sons de videogames antigos no verso "ou como game over/ and over/ você jogava bolinhas de linguagem a tropeçar cavalos/ com quantos se faz um ou vários". Recursos de eletricidade, interferência. A guitarra que tomba com o verso "e ver você tombar" em “Vestido de linguagem”.
A suspensão súbita do som no encerramento de “O lugar”, logo após "era dar o fora/ o lugar". A guitarra que rasga os versos "cardumes de facas/ baías de ossos" e se intercala em momentos distintos da repetição cíclica dos versos "e o quando era hoje era quando?".
Os sons que surgiam desses processos, da guitarra de Duda, do sintetizador de Pedro, do baixo de Vini, foram gravados e mixados pelo Gil, que também adicionou a algumas faixas recursos de percussão eletrônica. A voz foi, então, ganhando mais elementos, arranjos, harmonias e ocupando algum lugar que não está na poesia falada, nem na canção. Por isso também os "poemas" são "para o seu baile", porque ainda são poemas, mas são para tocar e depois serem tocados, construídos em seus sentidos por quem ouve e cria junto. Os poemas querem estreitar a relação entre a escrita e a coletividade, querem investigar o que acontece com quem os recebe, querem se transformar com o outro.